Tenho um escritor on-line, [Miguel Manso, que citei variadas vezes].
Conheço alguém que me faz ler um bocadinho de um livro todos os dias. Cada dia, um capítulo, uma história. Sempre online, qual ensino a distância...
E confesso que fico pasma com a criatividade. Com o talento.
O talento arrepia-me. Arrepiam-me as palavras. Até há cheiros e cores e gestos que me arrepiam quando tocam nas palavras, quando se transformam em palavras.
A cor dos dias nada mais é reflexo de um pensamento irrepetido de uma consciência olvidada. Afastamos tudo o que não é perceptível ou que julgamos imperceptível. Afastamos as coisas que não queremos ver. Afastamos o cinzento das manhãs; a humidade das horas do almoço; o obsoletíssimo vestuário; a mágoa de continuar; o querer avançar, mas ao mesmo tempo o desejar fugir.
Esquecemo-nos da ida ao café; do que comemos na noite passada. Por vezes até se nos escapam as pessoas com quem estivemos: quem foi, o que se falou. Esquecemo-nos daquela frase magnífica inventada à pressão em cima do guardanapo, que por sua vez ficou, também ele esquecido, entre os bolos do caixote do lixo da pastelaria, ou padaria ou café;
O que quer que seja que venha a acontecer, que aconteça!
[pensamos]
E vamo-nos esquecendo, das pequeninas coisas, que são só e apenas as coisas de que necessitamos para vivermos de sorriso Pepsodent nos lábios, ou para ser um artista da literatura.
Porque o que há de belo em cada livro é a sua semelhança com o quotidiano. E o que o artista faz é descrevê-lo, tão “geniosamente” que nos deixa maravilhados e boquiabertos.
Eu encontrei o meu génio. Que me faz ler um bocadinho todos os dias.
«Um dia apaixonei-me por uma mulher mas antes disso arranjei um gato. Uma gata, mais precisamente, que veio cá para casa quando era muito pequena. Não bastando isso de andar a trazer bichos para casa, a mulher por quem me apaixonei não se apaixonou por mim mas apaixonou-se pela gata, que não se apaixonou por ela nem por mim. Mas a gata era toda olhos redondos da cor da folha de louro seca e olhava-nos profundamente sem desviar o olhar (era uma gata napolitana nascida num pátio do bairro da Graça).»
Miguel Manso, Cap. 18 - Le Bassin de John Wayne, in AS RESPIRAÇÕES DE MARAT
4 comentários:
Gostei.:D Fez-me sorrir.
Beijinhos
E obrigada por dividir isso conosco.
:O)
hum gostei:)
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