terça-feira, março 29, 2005

A dor

Decidi que este mês vou falar de amor...
É a Primavera que impele os nossos corpos e as nossas bocas a pronunciar repetidamente esta palavra.
Para começar que tal: A DOR DA SEPARAÇÃO!
No amor tanto se ganha, como se perde (para quem o vê como um jogo). Para mim é mais que isso (até porque se fosse um jogo, eu perdia sempre, e parece que agora ganhei). É sentir que tenho o poder nas minhas mãos. Sinto mesmo a energia. E quando perco... bem, o que hei-de fazer com as mãos, se já não aguento olhá-las sem luz? O que se faz com um coração despedaçado de lágrimas, que teimam em não medrar, em não sentir... e sufoco... sufoco na dor de pronunciar aquela palavra que me vem repetidamente à boca: o teu nome, a tua despedida, o teu adeus para sempre. Porque no amor, nunca se sabe o que é para sempre. Tanto as despedidas como as chegadas... Como saber? Foge... a porta da rua é a serventia da casa.
Deixo-te com um texto de Pedro Paixão. Delicia-te.
Fuga
O branco da parede ocupava todo o espaço dos meus olhos, o meu corpo era um resto enrolado numa camisa, e dentro de mim havia uma dor que prometia ir-se logo que outra maior a viesse substituir. Eu esperava que ela acabasse de tomar duche e viesse ter comigo.

Mas não veio ter comigo. Vestiu-se num instante e saiu de casa como se fosse a fugir. Abri a porta da entrada e ainda a vi de costas a dobrar o corredor ao fundo, e disse o seu nome já sem forças, que não deve ter ouvido, e depois fechei a porta como se fosse de mim que me estivesse a despedir.

A angústia vinha como ondas e, nos intervalos, largava-me numa paz logo desfeita para depois recomeçar mais poderosa. Deitei-me sobre a cama ainda quente onde tínhamos dormido e quis-me contar desde o princípio a nossa história. Para saber como tinha sido, onde estávamos, o que viria. Para encontrar um sentido, uma garantia, qualquer coisa. Nem consegui começar.

Deitado, de costas viradas para mim, comecei a chorar. Pedi-lhe que parasse com aquilo, que voltasse, que me dissesse o que era. Ninguém ouvia. Continuei a chorar.
Lembrava-me só de uma frase que voltava sem que a quisesse lembrar. “És a pior coisa que me podia ter acontecido.”

in Pedro Paixão, Nos Teus Braços Morreríamos, Lisboa: Edições Cotovia, 2000

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