terça-feira, abril 18, 2006

Lavínia, "deu à luz dois croissants e uma abelha"

Não podia pensar que lhe iam deitar terra por cima do
corpo nú.
depois foi a casa buscar a coleira, a trela e uma mão cheia
de bocadinhos de chocolate, que desde a manhã tinham ficado sobre o chão,
intactos. Deitou tudo para dentro da cova.
Ao lado, estava um monte de terra fresca. Tereza pegou na
pá.
Tereza lembrou-se do sonho que tivera e no qual Karenine dava
à luz dois croissants e uma abelha. Subitamente, estas palavras pareciam-lhe um
epitáfio. Pôs-se a imaginar um jazigo entre as macieiras, com a seguinte
inscrição: "aqui jaz Karenine. Deu à luz dois croissants e uma abelha".
No jardim a penumbra ia-se adensando, de forma que já não era
dia nem e ainda não era noite; havia uma lúz pálida no céu, como um candeeiro
que tivesse ficado esquecido no quarto dos mortos.

Milan Kundera, Isustentável Leveza do Ser

Saudade. É a melhor palavra carregada de sentimento que se pode sentir por aqueles que morrem e nos deixam de lágrimas nos olhos.

Tenho uma gata com um cancro na barriguinha. A minha Lavínia que já tem quase dez anos...
Tentei de tudo para a poder curar. Submeti-a a uma operação que lhe tirou o tumor, mas como os animais ainda nao fazem quimeoterapia (pelo menos não no meu veterinário) o tumor voltou a crescer e rebentou, obrigando a minha Lavínia a estar condenada a dormir numa caixa com um cobertor para o resto da vida. Mesmo que seja pouca. A vida que lhe resta.


Lavínia

Foi muito doloroso para mim assistir à degradação da minha gata. Começou a perder a força nas patas de trás e agora caminha rebaixada.

Não sei se sente dor ou não. Pelo menos não mia de sofrimento. Mas também não sei se a a voz é a maneira dos animais exprimirem o seu sofrimento.

O problema com o qual me debato todos os dias é com a certeza da sua morte. Como Tereza da Inustentável leveza do Ser sabia que Karenine, a sua cadela iria morrer, ela também, com um cancro.

Já sinto as saudades de a ver com tanta vida... a correr pelos campos... com o sol a espelhar-lhe no pêlo... os olhos rasos de felicidade... Sei que essa Lavínia já não existe. Sei que ela também não se deve sentir bem por se ver assim, debilitada. E isso dói-me ainda mais.

Lá em casa pensámos na misericordiosa injecção letal. Mas na altura o veterinário afiançou que ela não estava em agonia. Agora não o sei.

Sei apenas que lhe dou todo o carinho do mundo enquanto espero a sua morte e o próprio tique-taque do relógio me mata de dor e de saudade. Olho-a e choro porque sei que vou perder a melhor gata do mundo e a minha melhor amiga do planeta. Quando os seus olhos doces deixarem de olhar os meus, sei que morreirei um pouco por dentro. Ninguém a substituirá. E ela viverá sempre... nos meus sonhos...

2 comentários:

hole in my vein disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Faneca [de má raça] disse...

É verdade... sempre a adorei... mas agora a dor invade-me de uma maneira que só eu sei como dói... o amor afinal mata...