"Claro que é necessário que os sentimentos suscitados pelo Kitch possam ser partilhados pelo maior número possível de pessoas. Assim, o Kitch não apela para o insólito; apela, isso sim, para algumas imagens chaves profundamente enraizadas na memória dos Homens".
Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser
Como desempregada, de quase longa duração, lanço aqui um apelo, a todos os que, como eu, estão na mesma situação, amigos, conhecidos e a todos os interessados...
Sempre fui muito "reivindicadeira", e há aqueles, que apesar de "todas as boas intenções do mundo", deixam de "cabelos em pé" todos os desempregados, com as suas frases clichés que aqui denuncio e que peço que sejam ouvidas.
É necessário conhecer a mente de um desempregado antes de lançar comentários à toa e cuspir discursos de incentivo frustrados...
O desemprego, hoje, pode considerar-se quase uma doença. Pelo menos, por quem passa por ele...
Tanto que, como doença, posso considerar três fases na vida de um desempregado. Fases repetidas ciclicamente com o passar do tempo.
FASE 1_ A esperança_"Estou desempregada e vou conseguir um emprego mais cedo ao mais tarde"
Nesta fase todos os conselhos de incentivo são aceites. A situação é nova; começamos a enviar currículos e a ir às empresas; a aprender a escrever as melhores cartas de apresentação e a maneira óptima de como se comportar durante uma entrevista em vários sítios da Internet.
FASE 2_O desespero_"Meu Deus, estou desesperada"
Passaram quatro meses e não há respostas. Os conselhos começam a irritar (porque são sempre os mesmos). O desespero e a frustração fazem já parte intríseca do ser de cada um.
FASE 3_A depressão_ "Nunca vou conseguir arranjar um emprego e estou farta que me digam que sim"
Agora já fomos a várias entrevistas e acabaram por ser seleccionados aqueles que tinham conhecimentos no local de trabalho pretendido. Já não conseguimos escutar as palavras de incentivo e achamos que o mundo vai acabar porque mesmo com um curso superior, não nos aceitam sequer a trabalhar num supermercado.
Estas fases repetem-se mecanicamente, extraindo a parte dos conselhos serem aceitáveis. Até porque quando se chega à última fase é quase impossível conseguir ouvi-los...
Passo então a enumerar os conselhos... nada mais que Kitch da sociedade...
1_ "Vais arranjar emprego, tem calma!"
Este é o que se ouve mais. É dito em todas as três fases. Mas aqui entre nós, como podem os outros saber se não são eles que nos vão empregar?
2_"Há sempre um trabalho para cada um."
Onde? É que se sabes onde é diz-me, que já começo a desesperar...
3_ "Não digas que não consegues, mexe-te!"
Devem pensar que estou desempregada, que gosto, e que ainda por cima não estou a tentar tudo por tudo para conseguir um emprego.
4_ "Tens a certeza que já tentaste de tudo?"
Esta é uma afronta a qualquer desempregado que se preze. Ninguém gosta de estar nesta situação, a não ser que esteja a receber subsídio de desemprego (o que não é o meu caso, infelizmente)
E existem muitos mais... Mas não tenho tanto espaço reivindicativo para os poder explicitar.
Na verdade, o facto de se ser uma jovem qualificada desempregada, é muito difícil. Por vezes as palavras de incentivo, apesar de serem ditas com boas intenções, acabam por deprimir, ainda mais, um desempregado, que tenta, a todo o custo, prosseguir com uma carreira, tal como vê os outros a conseguir.
Aliás, as melhores palavras seriam um abraço e um conforto. Mudos. A situação não é fácil. Principalmente quando as escolas superiores, ao quererem angariar alunos, prometem uma série de saídas profissionais, que se vieram a descobrir falaciosas, e nem sempre fazem um acompanhamento adequado a jovens mentes brilhantes que se vêem lançados às feras, num mundo de loucos e num País que atravessa uma crise de oportunidades.
Tenho dito.