terça-feira, abril 25, 2006

Na mente de uma desempregada atordoada pelo Kitch


"Claro que é necessário que os sentimentos suscitados pelo Kitch possam ser partilhados pelo maior número possível de pessoas. Assim, o Kitch não apela para o insólito; apela, isso sim, para algumas imagens chaves profundamente enraizadas na memória dos Homens".

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser



Como desempregada, de quase longa duração, lanço aqui um apelo, a todos os que, como eu, estão na mesma situação, amigos, conhecidos e a todos os interessados...

Sempre fui muito "reivindicadeira", e há aqueles, que apesar de "todas as boas intenções do mundo", deixam de "cabelos em pé" todos os desempregados, com as suas frases clichés que aqui denuncio e que peço que sejam ouvidas.

É necessário conhecer a mente de um desempregado antes de lançar comentários à toa e cuspir discursos de incentivo frustrados...

O desemprego, hoje, pode considerar-se quase uma doença. Pelo menos, por quem passa por ele...

Tanto que, como doença, posso considerar três fases na vida de um desempregado. Fases repetidas ciclicamente com o passar do tempo.

FASE 1_ A esperança_"Estou desempregada e vou conseguir um emprego mais cedo ao mais tarde"

Nesta fase todos os conselhos de incentivo são aceites. A situação é nova; começamos a enviar currículos e a ir às empresas; a aprender a escrever as melhores cartas de apresentação e a maneira óptima de como se comportar durante uma entrevista em vários sítios da Internet.

FASE 2_O desespero_"Meu Deus, estou desesperada"

Passaram quatro meses e não há respostas. Os conselhos começam a irritar (porque são sempre os mesmos). O desespero e a frustração fazem já parte intríseca do ser de cada um.

FASE 3_A depressão_ "Nunca vou conseguir arranjar um emprego e estou farta que me digam que sim"

Agora já fomos a várias entrevistas e acabaram por ser seleccionados aqueles que tinham conhecimentos no local de trabalho pretendido. Já não conseguimos escutar as palavras de incentivo e achamos que o mundo vai acabar porque mesmo com um curso superior, não nos aceitam sequer a trabalhar num supermercado.

Estas fases repetem-se mecanicamente, extraindo a parte dos conselhos serem aceitáveis. Até porque quando se chega à última fase é quase impossível conseguir ouvi-los...

Passo então a enumerar os conselhos... nada mais que Kitch da sociedade...

1_ "Vais arranjar emprego, tem calma!"

Este é o que se ouve mais. É dito em todas as três fases. Mas aqui entre nós, como podem os outros saber se não são eles que nos vão empregar?


2_"Há sempre um trabalho para cada um."

Onde? É que se sabes onde é diz-me, que já começo a desesperar...

3_ "Não digas que não consegues, mexe-te!"

Devem pensar que estou desempregada, que gosto, e que ainda por cima não estou a tentar tudo por tudo para conseguir um emprego.

4_ "Tens a certeza que já tentaste de tudo?"

Esta é uma afronta a qualquer desempregado que se preze. Ninguém gosta de estar nesta situação, a não ser que esteja a receber subsídio de desemprego (o que não é o meu caso, infelizmente)

E existem muitos mais... Mas não tenho tanto espaço reivindicativo para os poder explicitar.
Na verdade, o facto de se ser uma jovem qualificada desempregada, é muito difícil. Por vezes as palavras de incentivo, apesar de serem ditas com boas intenções, acabam por deprimir, ainda mais, um desempregado, que tenta, a todo o custo, prosseguir com uma carreira, tal como vê os outros a conseguir.

Aliás, as melhores palavras seriam um abraço e um conforto. Mudos. A situação não é fácil. Principalmente quando as escolas superiores, ao quererem angariar alunos, prometem uma série de saídas profissionais, que se vieram a descobrir falaciosas, e nem sempre fazem um acompanhamento adequado a jovens mentes brilhantes que se vêem lançados às feras, num mundo de loucos e num País que atravessa uma crise de oportunidades.

Tenho dito.

terça-feira, abril 18, 2006

Lavínia, "deu à luz dois croissants e uma abelha"

Não podia pensar que lhe iam deitar terra por cima do
corpo nú.
depois foi a casa buscar a coleira, a trela e uma mão cheia
de bocadinhos de chocolate, que desde a manhã tinham ficado sobre o chão,
intactos. Deitou tudo para dentro da cova.
Ao lado, estava um monte de terra fresca. Tereza pegou na
pá.
Tereza lembrou-se do sonho que tivera e no qual Karenine dava
à luz dois croissants e uma abelha. Subitamente, estas palavras pareciam-lhe um
epitáfio. Pôs-se a imaginar um jazigo entre as macieiras, com a seguinte
inscrição: "aqui jaz Karenine. Deu à luz dois croissants e uma abelha".
No jardim a penumbra ia-se adensando, de forma que já não era
dia nem e ainda não era noite; havia uma lúz pálida no céu, como um candeeiro
que tivesse ficado esquecido no quarto dos mortos.

Milan Kundera, Isustentável Leveza do Ser

Saudade. É a melhor palavra carregada de sentimento que se pode sentir por aqueles que morrem e nos deixam de lágrimas nos olhos.

Tenho uma gata com um cancro na barriguinha. A minha Lavínia que já tem quase dez anos...
Tentei de tudo para a poder curar. Submeti-a a uma operação que lhe tirou o tumor, mas como os animais ainda nao fazem quimeoterapia (pelo menos não no meu veterinário) o tumor voltou a crescer e rebentou, obrigando a minha Lavínia a estar condenada a dormir numa caixa com um cobertor para o resto da vida. Mesmo que seja pouca. A vida que lhe resta.


Lavínia

Foi muito doloroso para mim assistir à degradação da minha gata. Começou a perder a força nas patas de trás e agora caminha rebaixada.

Não sei se sente dor ou não. Pelo menos não mia de sofrimento. Mas também não sei se a a voz é a maneira dos animais exprimirem o seu sofrimento.

O problema com o qual me debato todos os dias é com a certeza da sua morte. Como Tereza da Inustentável leveza do Ser sabia que Karenine, a sua cadela iria morrer, ela também, com um cancro.

Já sinto as saudades de a ver com tanta vida... a correr pelos campos... com o sol a espelhar-lhe no pêlo... os olhos rasos de felicidade... Sei que essa Lavínia já não existe. Sei que ela também não se deve sentir bem por se ver assim, debilitada. E isso dói-me ainda mais.

Lá em casa pensámos na misericordiosa injecção letal. Mas na altura o veterinário afiançou que ela não estava em agonia. Agora não o sei.

Sei apenas que lhe dou todo o carinho do mundo enquanto espero a sua morte e o próprio tique-taque do relógio me mata de dor e de saudade. Olho-a e choro porque sei que vou perder a melhor gata do mundo e a minha melhor amiga do planeta. Quando os seus olhos doces deixarem de olhar os meus, sei que morreirei um pouco por dentro. Ninguém a substituirá. E ela viverá sempre... nos meus sonhos...

terça-feira, abril 11, 2006

Fernandito do meu coração...

"…Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um
mundo fictício,
de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram.
(Não sei, bem
entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não
existo. Nestas
coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que
me conheço
como
sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar
mentalmente, em
figura,
movimentos, carácter e história, várias figuras
irreais que eram
para mim tão
visíveis e minhas como as coisas daquilo a
que chamamos,
porventura
abusivamente, a vida-real. Esta tendência, que
me vem desde que
me lembro de ser
um eu, tem me acompanhado sempre,
mudando um pouco o tipo
de música com que me
encanta, mas não alterando
nunca a sua maneira de
encantar."
Fernando Pessoa maravilha-nos com a simplicidade onírica e complexa. Amo cada palavra e bebo cada verso como se fosse meu. Quem nunca teve amigos imaginários em criança. momentos de alegria, onde o tempo parava e nós éramos o centro do Universo. Não precisávamos de outros. Éramos nós e os outros ao mesmo tempo.
Lembro-me de ser criança e de brincar horas a fio sozinha. Ou era professora e dava grandes enxertos de porrada às minhas alunas e alunos... ou era recepcionista e atendia e preenchia formulários de números infindáveis de pessoas.
Lembro-me também de juntar todos os jornais e revistas velhas e fingir que os vendia numa banca improvisada na parte de trás da minha casa... era tudo tão perfeito... não havia discussões, ideias diferentes, tristezas... nada... só havia a alegria de estar só e de estar com um conjunto de pessoas ao mesmo tempo, que não eram nada mais, nada menos que eu...
Hoje, não me dói ter de me relaccionar com os outros. Mas sinto falta dos meus momentos... muitas vezes finjo também estar a falar com alguém, mas sei e sinto que tudo é fruto da minha imaginação. Já não faz parte da realidade como fazia... e fico um pouco triste... todos nós desejamos ser felizes... mas se não somos felizes sozinhos, e se acompanhados muito menos o somos... entramos numa ambiguidade de sentidos e dores impossíveis de aguentar.
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me? Não: vou
existir. Arre! vou existir. E-xis-tir... E-xis-tir... Dêem-me de beber, que
não
tenho sede!